14 dezembro 2010

Saudade

Já aqui falei sobre a Saudade, neste post, a propósito do livro da minha tia. Mais recentemente, a minha amiga Maria Paula, neste post, fez-me voltar ao passado; a um passado doloroso e, no entanto, tão cheio de paz e de saudade.
Quem de nós nunca participou daqueles saraus culturais que eram organizados nas escolas, nas festas do Natal, da Páscoa, ou de fim de ano? Pois bem, num desses saraus, e depois de actuações tão deprimentes, umas a seguir às outras, de colegas e amigos e outros que tais, a minha mente voou para longe dali.
A minha avó paterna estava doente e de repente dei por mim a querer estar junto a ela.
A avó Luísa era profunda em todo o seu ser; podia parecer ter o oceano a escorrer-lhe cara abaixo que, quem a contemplasse, diria que aquela mulher sorria por dentro. Aos seus netos, não se cansava de distribuir mimos e a minha única mágoa foi saber que ela partiu cedo demais. Pior do que isso, nos seus últimos dias de vida, visitei-a religiosamente, todos os dias e, quando me despedia dela, com um longo beijo na testa, dizia-lhe sempre: "até amanhã; já sabe que venho à mesma hora". Um dia, ela já lá não estava e, dentro de mim, senti que me tinha despedido dela.
Voltando ao sarau na minha escola em Trancoso, depois de mais uma actuação estridente, eis que a minha amiga Maria Paula sobe ao palco do pavilhão para recitar um poema de um autor desconhecido, intitulado "A vida é uma selva e na selva só sobrevivem os melhores" (aconselho vivamente a sua leitura...)
Fez-se silêncio e começou a música. Esta aqui:


Logo aos primeiros acordes senti um arrepio imenso percorrer-me o corpo, que me fez lembrar a minha avó e o quão estava a sofrer; ao encarar a Maria Paula, sozinha naquele palco enorme, amparada por umas canadianas (tinha feito uma operação ao joelho), desatei a chorar e contemplei todo o poema de olhos fechados e a cara molhada. O som das palmas, quando terminou, foi ensurdecedor; melhor do que isso, foi constatar que as minhas lágrimas não eram únicas ao meu redor.
Passaram-se 18 anos desde esse dia e a Maria Paula publica esse poema no seu blog (o qual agradecerei para sempre), para voltar a mim esse misto de angústia e saudade; angústia pelo que passou e saudade do que fiz e do que fui. Já aqui o disse que aquela fase foi uma das mais significativas da minha vida, que me obrigou a encontrar solidão, partilha, amizade, para depois partir à descoberta daquilo que eu era e do que queria.
E, se há 18 anos atrás, imitei a minha avó, derramando o oceano, hoje, acontece-me precisamente o mesmo. Mal os primeiros acordes começam, sinto aquele arrepio que me invade a alma e uma força maior que me traz um sentimento de paz e de alegria, porque sei, dentro de mim, que a minha avó está em paz a zelar por todos nós com aquele seu sorriso interior que tanto a caracterizava.
Eis senão quando descubro uma nova versão dessa música:


Não mais profunda que a anterior; não mais bela ou mais poderosa; nem mais rica ou mais apelativa. O que, para mim, interessa significativamente, é a sensação que ela me causa: a mesma. Por mais palavras que aqui coloque, não consigo descrever a maravilhosa sensação que me invade e contempla a alma...
Até agora, apenas duas pessoas sabiam desta minha "história"; decido agora partilha-la com os poucos (mas excelentes) seguidores deste meu cantinho...

2 Comentários:

Maria Paula Ribeiro disse...

Olá Amigo,

Quem chorou agora fui eu...
Mas também quem sorriu fui eu...

Ao longo da nossa vida, somos confrontados com a "morte" e com o renascer de nós mesmo... aquela frase tão conhecida: "ele agora parece outra pessoa"...
Crescemos, evoluímos, tornamo-nos seres mais conscientes...

Bem-hajas amigo e feliz por te ver "renascer";)))

Beijo grande, grande

Joël Pinto disse...

Olá amiga,

Obrigado pelo teu comentário... e pelas tuas visitas.
Desabafar faz bem e é sempre bom sentir que fomos "ouvidos".

Beijo grande para ti também.