15 fevereiro 2004

A nossa vida

Na próxima edição de 16 de Fevereiro do jornal 4 Esquinas, vai ser publicado este meu artigo de opinião:

A nossa vida


A nossa vida tem destas coisas. Hoje somos tudo; amanhã não somos nada. Vem a propósito este meu pensamento por causa dos recentes acontecimentos que envolveram o jogador do Benfica, Fehér. Por mais que façamos, por mais que queiramos, nós não somos nada nesta vida e somos, tão somente, aquilo que o Criador quer que sejamos. Não adianta barafustar, não vale a pena fazer grandes projectos para a nossa vida porque, mais cedo ou mais tarde, vai tudo por água abaixo e tudo o que cá fica, deixa de ter importância, deixa de ter significado.

E há depois a exploração de tudo o que foi nosso e que passa a ser daqueles que nunca nos ligaram nenhuma; ou passa a ser de todos, porque todos se acham no direito de ficar com elas. Aquelas pequenas coisas que para nós significaram muito e que para os outros não passa de um trapo qualquer, à mercê de um qualquer saco do lixo. Enerva-me solenemente pensar que os meus livros, que tanto me custam a coleccionar, um dia, não irão ser apreciados da mesma forma como eu os aprecio. Até que penso que cada um de nós vale por aquilo que faz ou fez e não por aquilo que cá deixou. Adiantará, por isso, prejudicar os outros com a desculpa de que "mais fica para mim"?

Nunca como agora dou por mim a pensar na vida. Acho um pensamento ridículo, mas a verdade é que é essa. Questiono-me se vale a pena o esforço e o sacrifício de fazer alguma coisa; comprar coisas, viver a vida, viajar, conhecer outras culturas, outras pessoas. Enfim, tentar ser feliz.

Considero-me uma pessoa jovem. Ainda não cheguei à casa dos trinta, já acabei o meu curso (sabe Deus o trabalho que me deu), arranjei um emprego relacionado com aquilo que queria fazer e para o qual estudei. E para quê? Para ganhar pouco mais que o ordenado mínimo nacional. Por mais triste que isso seja, é a mais pura verdade. Trabalho a 35 quilómetros de casa; demoro mais de uma hora para chegar à redacção e gasto quase metade do meu ordenado nas minhas despesas. Trabalho ao lado de pessoas que gosto e com as quais simpatizo, da mesma forma que também trabalham lá outras pessoas que não suporto e com as quais sou obrigado a conviver e que só pensam em ganhar cada vez mais dinheiro.

Até que cheguei a uma fase da minha vida em que deixei de ter vida própria. Saio de casa para ir trabalhar, por volta das oito e meia da manhã e, quando regresso, o sol já se pôs à muito. Poucos são os dias da semana em que não chego a casa por volta das nove da noite. Deixei de sair com os amigos, já não vou a um cinema ou a um bar há já alguns meses e, quando chega o fim-de-semana, só me apetece ficar em casa, estendido no sofá, a dormir o dia todo.

E tudo isto para quê? Porque a sociedade a isso nos obriga. Somos meros peões, num mundo que gira à nossa volta e cujas regras nos foram impostas. Alternativas? O mercado de trabalho deste nosso País está embrulhado numa crise, da qual não sairá com tanta facilidade assim. Os nossos governantes prometem, fazem grandes alaridos, confirmam que a retoma vem aí. O que é facto é que esta crise instalou-se em Portugal e parece que está a gostar das acomodações. E cá andamos nós, a reboque de uma Europa desgastada que nada faz.

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