06 junho 2003

Vai ser publicado amanhã, dia 7, no jornal O Primeiro de Janeiro, mais um suplemento dedicado à toxicodependência.
Dos vários textos que efectuei, decidi colocar aqui dois. Trata-se de um resumo do que foi, respectivamente, o 1º e o 2º painel da conferência subordinada ao tema "O papel da comunicação social na luta contra a toxicodependência" e que foi organizada pelo jornal em parceria com a Câmara Municipal do Porto. Ver post do dia 1 de Junho.
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Uma vez lançado o «pontapé de saída», é fundamental responsabilizar a sociedade e...

Procurar parcerias com os media

Neste primeiro painel procurou-se abordar inúmeras questões; desde logo, saber o que faz, de facto, um jornalista, passando pela prevenção propriamente dita, pelo desporto, pela responsabilização dos órgãos de comunicação social, entre muitos outros temas.

Contando com a presença de Salvato Trigo, reitor da universidade Fernando Pessoa, Maria Moreira, do IDT, António Gonçalves Pereira, presidente do conselho de justiça da Associação de Futebol do Porto e, Fernando Martins, provedor do leitor no Jornal de Notícias, este primeiro painel foi coordenado por Fernando Mendes, vice-presidente do IDT que confessou que “espero que estes trabalhos nos conduzam a uma nova esperança”. A grande questão partiu da forma “como a comunicação social utiliza os dados que lhe são fornecidos, pois é possível trabalharmos em conjunto, em prol de um mesmo objectivo”.

Maria Moreira, especialista em gestão de sistemas de informação fez questão em salientar que, “é a partir do conhecimento que se pode fazer prevenção” e, nesse sentido, é de opinião que “os jornalistas querem informação; nós queremos dá-la mas, muitas vezes, temos medo de a dar, porque não sabemos como é que esses dados vão ser tratados”. Daí que defenda a ideia que deverão ser os jornalistas “a ajudar-nos a nós, técnicos no terreno, acerca da melhor forma de poder passar a informação”. E, isso, vem a propósito do mecanismo de alerta para as novas drogas sintéticas, uma vez que “a postura dos media não tem sido a mais correcta”, acrescentando que “o levantamento de questões sobre novas drogas sintéticas, cuja influência negativa não esteja comprovada ao nível da saúde pública, poderá ter o efeito perverso de despertar a curiosidade dos consumidores”. Para além disso, Maria Moreira atribuiu aos media, “uma responsabilização social, uma vez que ela molda muito o que é a realidade social e, um enorme serviço que ela poderá prestar à sociedade, é passando uma informação rigorosa, baseada em contextos rigorosos”.

Por seu lado, Salvato Trigo, colocando-se na posição de alguém que tem a responsabilidade de formar agentes da comunicação, dita social, salientou que “a comunicação social deixou de o ser há mais de um século, uma vez que passou a ser uma mercadoria de consumo corrente, a partir do momento em que se tornou um dos elementos mais poderosos da chamada «economia da libido»”, ou seja, “satisfazer-se a curiosidade dos consumidores”. A propósito da função educativa que muitos transpõem para os media, Salvato Trigo confessa que “a comunicação social não tem essa função, não a pode, nem deve ter”. Por conseguinte, “a sua intervenção deve ser feita nos consumidores, para os tornar consumidores esclarecidos, educados e, para que eles saibam consumir e não consumam «porcaria»”. Dessa forma, “se não se consumir «porcarias», como estamos numa lógica de mercado, a «porcaria» deixa de poder sustentar-se”, acrescentou. Sendo Portugal “um país de opinião publicada, em vez de opinião pública”, Salvato Trigo afirmou que “um país sem opinião pública não consegue consolidar uma Democracia, porque a Democracia só se consolida com uma opinião pública esclarecida no consumo e não na produção”.

António Gonçalves Pereira, reportando-se ao papel que o desporto deve ter na vida activa de qualquer cidadão, salientou a importância da prática desportiva na recuperação e reabilitação de um toxicodependente, na medida em que “incentiva o trabalho de equipa, permite o contacto com outras experiências, ajuda na saúde e na criação de novas amizades, para além de criar afectos que, no fim de contas, é o que se pretende para um cidadão recuperado”. Paralelamente a isso, António Gonçalves Pereira alerta para o papel que a prevenção deve ter, não esquecendo de se “associar a prevenção na adolescência, por via da prática desportiva”, acrescentando que “trata-se de algo muito importante que não tem sido veiculado com muita frequência”.

Por fim, Fernando Martins, confessando que, “a comunicação social não tem, nem deve ter, a função de educar quem quer que seja; é para isso que serve a família e a escola”, salientou que “os jornalistas não são mais do que um espelho da sociedade que servem” porque, ao fim de alguns anos de exercício, “é o próprio público que acaba por moldar os jornalistas”, tanto mais que a profissão em si foi sujeita a inúmeras evoluções, “tendo passado o jornalista de um «sujeito da anunciação» para um «sujeito anunciado»”. Ou seja, no início, o jornalista “era a discrição em pessoa e, sempre que era necessário fotografar, evitava-se ao máximo que o jornalista aparecesse na fotografia”. Hoje em dia e, com o passar dos anos, “os ouvintes, os leitores e os telespectadores passaram a querer outra coisa dos jornalistas”, acrescentando que “toda a gente atribui grandes responsabilidades à comunicação social, esquecendo-se que sois vós que estais desse lado e que sois os consumidores finais, que tendes a obrigação, através da vossa exigência, de formar as novas gerações de jornalistas”.




Moderado por Nassalete Miranda, directora do nosso jornal, lançou-se a pergunta: qual é, afinal...

O papel da comunicação social?

Partindo do princípio que, “o papel da comunicação social é todo aquele que o resto da sociedade nos quiser impor, sendo este um papel que tem a ver com toda a sociedade”, Nassalete Miranda referiu-se a um papel de intercomunicabilidade que envolve toda a sociedade.

Considerando que, “no âmbito da toxicodependência, este é um papel que é transversal a toda a sociedade”, Nassalete Miranda destacou, ainda, a importância da família, da escola, do trabalho, do lazer e, também da comunicação social.

Este segundo painel contou com a presença de Mota Cardoso, psiquiatra e um dos responsáveis pelo projecto «Porto Feliz», Miguel Coleta, responsável pela comissão de saúde da Assembleia da República e deputado do PSD, Victor Fonseca, jurista e coordenador do suplemento mensal editado pelo nosso jornal, «Justiça e cidadania» e, João Palmeiro, presidente da associação da imprensa não-diária.

Mota Cardoso iniciou esta palestra e, salientando que “existe um brutal paradoxo em relação às questões da droga no nosso país”, referiu que “Portugal está preparado com técnicos e com equipamentos mas, o problema da droga está a crescer cada vez mais, tendo-se verificado um aumento do número de traficantes e de consumidores”. Paralelamente a isso, Mota Cardoso destacou os problemas da legalização e/ou da despenalização das drogas, assim como a sua criminalização. A esse propósito referiu que “existe um conjunto de saberes e que derivam da complexidade deste fenómeno que temos pela frente e que fomenta opiniões, quase sempre divergentes”.

Para além disso, salientou que “Portugal tem-se esquecido de um problema descomunal e que tem a ver com o facto de termos dois milhões de bebedores excessivos e, por outro lado, existem cerca de 700 alcoólicos crónicos com doenças somáticas irreversíveis”, ou seja, em cada 10 portugueses, 2 são bebedores excessivos e, “desses dois, um é jovem, o que agrava a situação”, acrescentou. Paralelamente a esse consumo de álcool, verifica-se também um cada vez maior consumo de outras substâncias ilícitas. A grande questão, tem a ver com as causas e, nesse sentido, Mota Cardoso é de opinião que “na altura de se implementar uma solução, entretanto criada, para um dado problema, ela já é bem maior do que o problema da qual partiu essa mesma solução”.

Por outro lado e, referindo-se à actuação da comunicação social no que diz respeito à cobertura que tem sido dada ao programa «Porto Feliz», Mota Cardoso afirmou que “os mais de 200 arrumadores que conseguimos recuperar tiveram um sentido ético e estético da vida e um senso moral mais perfeito do que alguns dos jornalistas que aderiram ao projecto”, acrescentando que, “eles aí estão em formação profissional, a ser cuidados e a refazer as mazelas das suas vidas e das suas personalidades”.

Por seu lado, Miguel Coleta, defendendo que, “apesar de, a comunicação social não dever ter uma função educadora, ela cumpre essa mesma função a vários níveis, quando muita da informação nos chega através dela”. No entanto, “temos que perceber que o papel que a comunicação social tem é importantíssimo e que, na maioria das vezes, ele é cumprido com muito ruído”, acrescentando que “temos que concordar que existe no nosso país, muito bom jornalismo e muita informação séria”. Apesar disso, Miguel Coleta e, falando em concreto da toxicodependência, salienta que “nós temos um problema em termos de visibilidade pública do fenómeno, uma vez que, à medida que estas questões se forem controlando, elas vão-se banalizar em termos mediáticos, até chegar ao ponto de deixar de ser notícia”.

Victor Fonseca, dada a sua experiência no «Justiça e cidadania», confessou que “a comunicação social passou a ser um modo claro de controlo de poder, político, público e económico”. Por conseguinte, “controla-se a sociedade e as suas vontades”, tanto mais que “as democracias modernas vivem emparedadas entre as televisões, a sociedade/informação/espectáculo e, daí, ser necessário retomar um conceito formativo no jornalismo, nomeadamente, nas questões sociais”, uma vez que são essas mesmas questões que têm a ver com “os direitos, liberdades e garantias e, com os conceitos de cidadania e da sociedade”.

Por último, João Palmeiro salientou que “a técnica de comunicação que devemos utilizar, passa por vários factores, como seja, a qualidade de conteúdos”. A par disso, existe o marketing da notícia pois, “vivemos numa comunidade que tem um mercado de informação” mas, o paradigma das novas tecnologias e da electrónica também devem ser tidos em conta, uma vez que João Palmeiro é de opinião que “é para o futuro que nós temos que olhar e saber como é que vamos enfrentar este novo paradigma”.

Eles disseram que...
“Nós dizemos aos outros aquilo que podemos dizer; raramente dizemos aquilo que queremos dizer; e, nunca ou quase nunca, dizemos aquilo que devemos dizer”
“A comunicação social deve informar, formar, educar, opinar no seu espaço próprio; não deve é substituir-se àqueles que têm que fazer política nesse sentido”
“Muitos órgãos de comunicação social transformaram-se num órgão político ilegítimo”
“A maior parte da comunicação social que nós temos, vive à margem da democracia”

Mota Cardoso
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“Para os políticos é sempre um prazer comentar o trabalho dos jornalistas”
“O problema da toxicodependência vai continuar sempre a existir e, o caminho a seguir é no sentido da prevenção primária, sem esquecer o trabalho da família e da comunidade”
“Aos jornalistas deve-se exigir ética e rigor no tratamento que fazem da informação; aos políticos, deve-se exigir seriedade e determinação”

Miguel Coleta
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“Temos de perspectivar o combate contra a toxicodependência, na ideia de estarmos no século XXI e, numa perspectiva societária e de enquadramento social”
“Formar é contribuir para que o espectador possa entender a sociedade”
“Se o Estado se demitir de combater o narcotráfico, está a demitir-se da sua função fundamental de protecção da sociedade”
“O combate à toxicodependência é um combate diário, preventivo e repressivo contra o tráfico e contra os traficantes”

Victor Fonseca
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“O serviço público e o interesse público são chavões para não chegarmos a conclusão nenhuma”
“Não vale a pena formar jornalistas que saibam noticiar questões da droga se eles não tiverem espaço para escrever ou para falar”

João Palmeiro

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