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21 fevereiro 2003

I Jornadas de Homenagem à Língua Portuguesa
Congregar para reflectir; organizar para agir

A língua portuguesa constitui o meio de comunicação privilegiado para a expressão de uma vasta comunidade de povos e de países – a CPLP – que vêm partilhando um longo trajecto histórico comum. Neste sentido, foram organizadas, no passado dia 24, as I Jornadas de Homenagem à língua portuguesa, como um tributo à mãe língua de todos nós.

A língua portuguesa configura-se como uma verdadeira pátria de pátrias, onde todas as suas gentes, sem prejuízo das respectivas línguas autóctones, crioulos e falares regionais e locais, se podem afirmar pluralmente e em plena liberdade, na riqueza diversa e multímoda das respectivas culturas, quer no campo da criação poético-literária, quer no campo científico-tecnológico, quer ainda no exercício das dimensões pragmáticas do quotidiano da vida. Daí que, são os linguístas, professores e, sobretudo os escritores, que têm uma grande responsabilidade perante os seus povos. Eles devem dar um contributo para o desenvolvimento das línguas nacionais, empreendendo um trabalho de escrita, para o que deverá contribuir, por exemplo, a língua portuguesa.

No entanto, face ao crescente e inevitável fenómeno da mundialização e/ou globalização (certamente com as suas potencialidades ainda embrionárias, mas também e, sobretudo, com os seus já bem diagnosticados e preocupantes riscos) importa, cada vez mais, tomar consciência de quanto representa e significa a língua portuguesa, no seio da Comunidades de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e no concerto geral das nações.

Assim sendo, entendeu a direcção do Instituto Piaget, dada a sua presença real e efectiva, não só no Portugal da interioridade e das periferias, mas também nos países africanos da CPLP, levar a cabo, através do seu Centro de Investigação em Língua Portuguesa, de Viseu, estas jornadas de homenagem à língua portuguesa. Os principais objectivos que se pretendiam com este projecto, eram o de contribuir para a presença, difusão e consolidação da língua portuguesa no interior da CPLP e no mundo, através do seu conhecimento e do seu estudo e, de uma actuação estratégica concertada para a defesa e afirmação do seu lugar na comunidade das línguas. Paralelamente a isso, pretendia-se, ainda, inaugurar uma reflexão conjunta que conduzisse ao planeamento e realização de um grande congresso bienal da CPLP, dedicado à lusofonia nas suas múltiplas vertentes, incidências e implicações.

Dividido em 4 painéis, o primeiro, coordenado por Vítor Aguiar e Silva, professor na Universidade do Minho, tinha por tema base, o projecto planetário da CPLP e o papel da língua portuguesa na realização desse projecto. O segundo painel, cujo tema central foi a comunicação social na defesa, cultivo e promoção da língua portuguesa, foi coordenado por Adriano Duarte Rodrigues, da Universidade Nova de Lisboa e, debateu questões ligadas à preocupação com as práticas linguísticas que possam ser assumidas como "padrão de referência", no respeito pela gramática, usos escritos e orais da língua, assim como a divulgação de iniciativas relevantes relacionadas com a defesa e promoção da língua.

No período da tarde, seguiram-se mais dois painéis. O primeiro, dedicado à(s) política(s) da língua, no quadro da CPLP, onde se discutiram as atribuições e iniciativas específicas dos órgãos próprios da CPLP, das instituições públicas e não públicas. Para além disso, ainda se debateram assuntos ligados ao fomento da leitura e da escrita e, a articulação do papel das universidades e instituições de ensino superior da CPLP, designadamente na investigação e na formação. Coordenado por Vítor Aguiar e Silva, da Universidade do Minho e por Castanheira Neves, da Universidade de Coimbra, houve ainda tempo para a apresentação e lançamento do livro "Tributo à Madre Língua", da autoria de Fernando Paulo Baptista, professor e coordenador do Centro de Investigação em Língua Portuguesa e do Departamento de Altos Estudos e Formação Avançada do Instituto Piaget de Viseu (ver entrevista nas páginas 8 e 9 ). O último painel foi dedicado à Geminação Inter-autárquica na CPLP, onde se questionou o papel das autarquias no aprofundamento dos laços históricos entre as comunidades lusófonas locais.

Sessão solene

A sessão solene inaugural contou, entre outros, com a presença de Fernando Paulo Baptista, António Oliveira Cruz (presidente do Instituto Piaget), Embaixador João Augusto de Medicis (secretário executivo da CPLP), José Moreira Amaral (em representação de Fernando Ruas, presidente da Câmara Municipal de Viseu e da Associação Nacional de Municípios Portugueses) e, Henrique Almeida (em representação do Governo Civil de Viseu). Logo a abrir a sessão, na Aula Magna do Piaget, repleta de um público interessado, Fernando Paulo Baptista fez uma alusão à língua portuguesa, como sendo "uma língua englobante e planetária, a língua da terra, dos mares e dos céus". Considerando que "tudo o que eu fizer até ao fim da minha vida, não pagará a profunda dívida que devo à minha língua materna", Fernando Paulo Baptista alertou para "a necessidade de que é a língua que nos faz", quando a assumimos, quando a falamos e até mesmo quando a escrevemos. Por outro lado, António Oliveira Cruz defendeu que "nem sempre a nossa língua e a nossa cultura são bem defendidas pelos portugueses, não só pelos que estão em Portugal, como também pelos que estão espalhados por esse mundo fora". A grande aposta para contrariar estas tendências, tem que ser feita, relembra, "ao nível das nossas instituições de ensino".

João Augusto de Medicis, abordando o papel da CPLP na língua e no mundo, considerou que "apesar das dificuldades, temos que defender a nossa língua no mundo". Para além disso, lembra que, "seja o português de Portugal, seja o português do Brasil, é a nossa língua que nos une, mais do que tudo". O secretário executivo da CPLP, com a "consciência das dificuldades" que este organismo vive, afirmou que "esta língua, para 220 milhões de pessoas é, não só, um instrumento de convívio, de trabalho e de riqueza, mas também de cooperação e reflexão entre os povos".

Falar português

É de todos bem conhecido, que o que mais está no coração dos portugueses espalhados pelo mundo, é a defesa da sua língua e da sua cultura. No entanto, os atropelos à gramática e à nossa língua atingiram uma evidência caricata e são sintomáticos e representativos do estado geral de todo o sistema. Daí que, muitos defendam a urgência na elaboração de um conceito e de um programa orgânico consistente e consensual, congregado numa instituição única dependente do Governo. Nesta instituição, teriam de ser aferidos e bem coordenados, os interesses, actualmente desarticulados dos ministérios, parceiros envolvidos, associações portuguesas, iniciativas bilaterais, coordenação de acção interdependente no âmbito de serviços de ensino e de assistência social, universidades estrangeiras, academias, (tempos livres e intercâmbios vários). Na elaboração do programa seria, não só necessária a colaboração da administração, dos partidos e dos sindicatos como também de peritos independentes radicados na migração, atendendo ao cruzamento e interligação de interesses. Por outro lado, muitos são os que defendem a criação de uma instituição independente de serviços, com competências definidas e, responsável por toda a política de fomento da língua e cultura no estrangeiro. Aliás, esta seria a resposta lógica aos interesses de Portugal. A par disso, precisa-se de uma cura radical para que haja uma correspondência entre o esforço que Portugal faz, e os respectivos resultados no terreno, sendo necessário reparar o desajustamento vigente entre instituições, assim como os dispositivos existentes bastante desajustados.

Uma das principais instituições que Portugal possui para a promoção da língua e cultura portuguesas no exterior, é o Instituto Camões, criado em 1992. Ele é, nos termos da respectiva Lei Orgânica, a pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, que, sob a superintendência do Ministro dos Negócios Estrangeiros, assegura a orientação, coordenação e execução da política cultural externa de Portugal, nomeadamente da difusão da língua portuguesa, em coordenação com outras instâncias competentes do Estado, em especial os Ministérios da Educação e da Cultura.

Mas, mais do que se falar português, por todo o mundo, todos nós devemos começar a falar bem português.


Notícia publicada no jornal O Primeiro de Janeiro

Este texto foi publicado, hoje, no jornal O Primeiro de Janeiro
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Fernando Negrão, presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência, confessa...
..."Assusta-me a ignorância"

Tomou posse no dia 5 de Dezembro e iniciou, na passada quinta-feira, 13, uma visita aos centros de apoio a toxicodependentes do Norte do país, constatando "que existem algumas deficiências", quer ligadas às condições de trabalho, quer às próprias instalações.

Estima-se que haja, em Portugal, cerca de 100 mil toxicodependentes, sendo que, desses, apenas 30 mil estão em tratamento. Apesar de considerar estes números avassaladores, Fernando Negrão, presidente do IDT, Instituto da Droga e da Toxicodependência, considera que, "para diminuirmos estes números, é necessário envolver todas as partes", ou seja, "juntar as autarquias, os hospitais, os governos civis e as associações, no sentido de conjugar esforços e experiências", assim como "contarmos com o apoio uns dos outros para podermos trabalhar em melhores condições". Por parte dos técnicos que estão a trabalhar no terreno, Fernando Negrão sabe que existe um grande empenho por parte de todos, bem como uma enorme vontade em fazer mais e melhor. Para além disso, esta visita serviu, também, para, não só "conhecer os cantos à casa", como ainda para "quando o problema aparecer, eu o conseguir visualizar".

Não pretendendo, contudo, uniformizar procedimentos, o actual presidente do IDT esclarece que, "pretendemos melhorar os serviços que possam estar ligeiramente mais atrasados, conjugando métodos no sentido do tratamento". Do que já viu e ficou a conhecer, Fernando Negrão salienta que o mais importante, a curto prazo, é "haver uma efectiva ligação entre todas as áreas da prevenção e todos os agentes da comunidade", ou seja, é necessário explicar às pessoas que o problema da toxicodependência existe, da mesma forma que existem, no nosso país, inúmeros toxicodependentes que precisam de ajuda e de tratamento. Como nos conta, "muitos desses toxicodependentes são nossos vizinhos, filhos dos nossos amigos ou mesmo, familiares e que precisam do nosso apoio", acrescentando que "todos nós temos que nos envolver nesta luta, seja através da prevenção primária ou através do tratamento".

Acabar com o preconceito

Não obstante o facto de conhecer a realidade que o rodeia, assim como todo o trabalho que o espera, Fernando Negrão confessa: "Assusta-me o preconceito e a ignorância das pessoas". A título de exemplo, o presidente do IDT refere que, "ainda hoje estive com um toxicodependente que tem a mesma idade que eu; a única diferença é que ele é toxicodependente e eu não". Daí que seja importante, salienta, "que esta mensagem passe lá para fora, de maneira a que se atenue a ignorância e o preconceito". Uma das formas de combate passa, obrigatoriamente pela família e pelas escolas, tanto mais que, "é na família e nas escolas que estão as referências e as regras de conduta da sociedade". Por conseguinte, é nestas instituições que deve começar a prevenção, por forma a, "se não acabarmos com as toxicodependências, pelo menos, trabalhamos no sentido de minimizarmos os danos", conclui.

Quem é...

Fernando Mimoso Negrão, nasceu a 29 de Novembro de 1955, em Angola.
Frequentou o Liceu de Setúbal e o Colégio Maristas em Carcavelos.
Licenciou-se em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa e cumpriu o serviço militar obrigatório, de dois anos, na Força Aérea Portuguesa.
Posteriormente, realizou o estágio de advocacia e frequentou cursos de três anos no Centro de Estudos Judiciários para Juiz.
Exerceu o cargo de Juiz nos tribunais de Albufeira, Velas (S. Jorge, Açores), Ferreira do Alentejo, Alenquer, Boa-Hora, Setúbal e Barreiro.
É membro do Conselho Superior de Magis-tratura e foi director-geral da Polícia Judiciária.
Encabeçou a lista pelo PSD, no Algarve, como independente, sendo eleito deputado à Assembleia da República.
Actualmente, é presidente do conselho de administração do IDT.


Eu digo que...

..."O problema da toxicodependência é um assunto complexo e que afecta toda a sociedade portuguesa"

..."Tem de continuar a ser ministrada [Metadona] porque há situações em que é inevitável, mas deverá haver procedimentos normalizados a nível nacional"

..."É necessário fazer-se um levantamento da forma como a aplicação desse fármaco [Metadona] está a ser feita, pois não se sabe se os procedimentos no Norte são iguais aos do Sul"

..."A informação não entra nas escolas portuguesas por preconceito das próprias direcções; não querem falar nisso, porque temem que se diga que há droga nos estabelecimentos"

..."É preciso fazer uma campanha intensiva nas escolas porque, agora, o que nos está a preocupar é o aumento do consumo de drogas sintéticas como o «ecstasy»"

..."Vivemos de costas uns para os outros"

..."É preciso mudar as mentalidades e a caminhar juntos em parcerias para tentar ultrapassar os problemas da droga"

..."O fenómeno da toxicodependência no Porto é preocupante, tal como em todas as grandes cidades"

..."A Câmara do Porto é pioneira neste tipo de iniciativa [Projecto «Porto Feliz»] e agora é preciso sensibilizar outros concelhos para ter atitudes semelhantes"

..."Começam a aparecer novos fenómenos que devem começar a ser estudados"

...[Pretende-se] "uma estrutura capaz de garantir e imprimir coordenação e eficácia no combate à droga"

..."Assusta-me o preconceito e a ignorância das pessoas"

...[Tem que]"haver uma efectiva ligação entre todas as áreas da prevenção e todos os agentes da comunidade"

Também este artigo, acerca da toxicodependência, foi publicado no jornal O Primeiro de Janeiro, no mesmo dia.
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A deputada Joana Amaral Dias, põe o dedo na ferida e afirma que deve haver uma...
Separação de mercados

Quando ainda pouco se falava em temas como a política de redução de riscos, HIV e Sida, em 1993, foi criado, em Coimbra, um projecto piloto, que contava com a participação de entidades estatais, nomeadamente a Comissão Nacional de Luta contra a Sida e que pretendia implementar uma série de medidas, experimentadas noutros países europeus.

Aquando do início deste projecto, o principal objectivo era a prevenção do HIV. Na eventualidade de ser bem sucedido, ao fim de um ano de existência, este projecto seria alargado a todas as capitais de Distrito do país. Em linhas gerais, este projecto consistia em se criarem estruturas de fácil acesso, que estivessem localizadas numa área de fácil acesso, assim como a criação das primeiras equipas de rua em Portugal. Paralelamente a isso, seria implementada a realização do teste do HIV, anónimo e gratuito.

Ao fim de um ano de implementação, o projecto apresentou inúmeros resultados positivos, tendo-se concluído que tinha sido uma experiência bem sucedida. Contudo, da parte do Governo, não houve intenção, nem vontade política, em se continuar esse projecto. Dessa forma, 10 anos depois do arranque deste projecto, ainda não existem, nas capitais de Distrito, locais onde se possam efectuar, de uma forma anónima e confidencial, testes que detectem o vírus do HIV.

Perante esta inactividade por parte do poder central, alguns dos técnicos que estavam ligados a este projecto desde o seu início, decidiram ser esta a melhor altura para criarem uma ONG, uma Organização Não-Governamental e que, sem estar na sombra da política, dos políticos e do Serviço Nacional de Saúde, pudesse levar por diante os seus próprios programas. Assim nasceu a Associação Becos com Saída.

Joana Amaral Dias, na altura, voluntária deste projecto e, encontrando-se a estudar Psicologia, foi uma das fundadoras desta associação. Actualmente, é a presidente da Becos, que tem como objectivo principal, a prevenção do HIV e da Sida. O seu trabalho é dirigido, acima de tudo, para uma população muito específica, realizando um trabalho de prevenção primária, nas escolas e junto dos adolescentes. Paralelamente a isso, desenvolvem um exaustivo trabalho junto de uma população mais restrita e que tem mais necessidades: prostitutas, grupos de reclusos, toxicodependentes. Para além disso, apercebendo-se de uma lacuna que não estava satisfeita por parte do poder central, foi dada especial atenção a uma outra área: o apoio domiciliário, junto de seropositivos.

Balanço

Com o notável crescimento da associação, foi possível alargar a sua área de intervenção e, hoje, para além da cidade dos estudantes, a Becos marca a sua presença em Figueira da Foz, Leiria, Castelo Branco e Covilhã. A principal dificuldade que sentem, tem a ver com falta de verbas, colmatadas muitas das vezes, com o apoio voluntário de alguns psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, juristas, contabilistas, entre muitos outros anónimos.

Joana Amaral Dias, apesar de todas estas dificuldades refere-nos que "ao nível do acompanhamento dos utentes, a nossa actuação tem sido muito positiva e o balanço que eu faço da nossa actividade, não pode ser diferente", acrescentando que, "do ponto de vista pessoal, tem sido uma experiência muito gratificante". Por outro lado, ao nível dos apoios que têm recebido e, ao nível do voluntariado, afirma que "é uma situação muito complicada, tanto mais que, em Portugal não há uma tradição, por parte da sociedade civil, em ajudar o próximo".

A agravar esta dificuldade está o próprio trabalho desenvolvido uma vez que "é um trabalho pesado, que exige alguns cuidados e, como não lidamos, nem com crianças, nem com idosos, ainda se verifica um certo constrangimento por parte dos portugueses em geral". Nesse sentido, a presidente da associação defende uma mudança radical nas políticas sociais levadas a cabo pelos diversos governos, "que mudam, quando muda a cor política, o que não ajuda nada". Por outro lado, alerta que se devem mudar as mentalidades dos portugueses, "trabalho esse que ainda vai demorar muitos anos".

Estando presente em cinco cidades portuguesas e, sendo elas tão diferentes entre si, a Becos com Saída tenta levar por diante um trabalho idêntico, adaptando os seus programas a essas mesmas cidades. No entanto, sendo Coimbra uma cidade jovem, detecta-se um determinado tipo de problemas, ligados ao facto de "ser complicado passar a mensagem". Pelo contrário, em Covilhã e Castelo Branco, dada a sua interioridade, "ainda se verifica algum conservadorismo". Na Figueira da Foz, "cidade costeira, verifica-se algum tráfico e apresenta uma população flutuante", tal como Coimbra, enquanto que, Leiria, cidade que vive do comércio e da indústria, "tem-se debatido com gravíssimos problemas sociais apresentando, hoje, a maior taxa de seropositividade do país". É, no entanto, nesta última cidade que Joana Amaral Dias confessa "sermos mais bem recebidos, quer ao nível dos apoios que nos concederam, quer à facilidade com que trabalhamos".

Prevenir

É ao nível da prevenção primária que incide o principal trabalho desta associação e, numa altura em que, cada vez mais, existem campanhas de informação, um pouco por todo o lado, Joana Amaral Dias é de opinião que "as campanhas de prevenção devem continuar a ser feitas". Contudo, alerta para o facto de se efectuarem campanhas dignas desse nome, salientando que "muitas dessas campanhas que têm saído cá para fora, são muito moralistas e contraproducentes". Nesse sentido, considera que sejam elaboradas e/ou criadas campanhas que "informem e esclareçam o público alvo que querem atingir". Não basta, por vezes, dizer "não te drogues"; é necessário informar as pessoas "acerca da composição dessas mesmas drogas, quais os seus benefícios, se os houver e, quais os seus malefícios", bem como os riscos que incorrem se os consumirem em demasia. É, depois, na cultura do consumo, que Joana Amaral Dias afirma que "muitas das substâncias são conhecidas porque, desconhecendo as pessoas o seu aspecto físico, começam a consumir, até por brincadeira ou curiosidade e, quando se apercebem, estão viciados".

Considerando, dessa forma "que não existam campanhas que sejam paternalistas ou não-morais", a presidente da Becos com Saída é de opinião que "devemos esclarecer e informar as pessoas dos reais perigos que as rodeiam; se elas, depois, insistirem no seu consumo, pelo menos, alguém, teve a coragem de as avisar", sendo posteriormente responsável pelo que lhe possa acontecer no futuro.

Separação de mercados

É ao nível do narcotráfico que a presidente desta associação diz "haver muito para fazer". Nesse sentido, considera que a melhor forma de combater o tráfico em Portugal, é ao nível da separação de mercados, considerando, contudo, que "não se prende apenas com a escolha". Da mesma forma, essa escolha não deve colidir com os direitos e interesses dos outros. É o que acontece, por exemplo, com o álcool, ao afirmar que "se isso foi possível fazer relativamente ao álcool ou com outras substâncias, eu defendo, também, que é possível fazer-se o mesmo, em relação a outras substâncias", uma vez que a responsabilidade de consumir ou não, recai sobre a própria pessoa.

Dessa forma, Joana Amaral Dias considera que "a promiscuidade de mercados existentes favorece apenas os narcotraficantes que, mais não fazem do que manipular os mercados". A título de exemplo, esta psicóloga refere que "um traficante que hoje vende a um miúdo, alguns gramas de haxixe, amanhã está-lhe a vender heroína e, depois, cocaína".

Sabendo, todavia, que "a distinção entre drogas leves e drogas duras é muito complexa", Joana Amaral Dias refere que "o facto de se fazer essa distinção, favorece e/ou protege as drogas legais, porque existem no nosso país, índices elevadíssimos de consumo de álcool e de tabaco e ninguém fala deles" porque, "escondendo-se na capa da legalidade, muitas vezes são camuflados e relegados para segundo plano", acrescenta.

Daí que, tendo a oportunidade de ocupar o cargo de Deputada pela bancada parlamentar do Bloco de Esquerda, Joana Amaral Dias tenha preparado um Projecto-Lei que defenda o comércio passivo da Cannabis. Segundo esse Projecto-Lei, que baixou à comissão, muito recentemente, entre outras particularidades, defende que a Cannabis não possa ser vendida a menores de idade, não tenha qualquer publicidade associada e, seja vendida em lugares controlados, onde seja feito um controlo de qualidade. Em relação ao álcool e ao tabaco, o que acontece é que eles são vendidos livremente e em qualquer lugar, fazendo-se mesmo publicidade para que as pessoas os comprem.

Em suma, o que Joana Amaral Dias defende é que, segundo ela, "qualquer substância psico-activa, deveria ser sujeita ao comércio passivo, ou seja, que não obedeça às lógicas do mercado, com informação responsável e sem moralismos". Dessa forma, parte da responsabilidade do consumo das drogas no nosso país, é transferida para o consumidor.

Continuar a trabalhar

Ao nível da Associação Becos com Saída, Joana Amaral Dias pretende consolidar os pólos existentes, nomeadamente "o da Covilhã e da Figueira da Foz, que são os mais recentes", bem como "continuar a trabalhar, como temos vindo a fazer até aqui". Por outro lado, refere-nos que "temos alguns projectos para a Região Autónoma dos Açores, nomeadamente em S. Miguel". Os motivos que levam a associação a criar um pólo nas ilhas, tem a ver com o facto de "eles terem problemas muito específicos e não existir lá uma organização que zele pelos interesses dessas pessoas". Para além disso, um outro projecto passa pelo alargamento da "nossa rede domiciliária de apoio a seropositivos".

Este artigo, também acerca da toxicodependência, foi publicado no jornal O Primeiro de Janeiro, no passado dia 1 de Fevereiro.
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Associação Sol Nascente
Porque é preciso acreditar

Era dia de festa e estavam todos reunidos à volta da mesa. Era hora de almoço e aquele dia era especial porque o Queiroz terminava o seu processo terapêutico, dentro da comunidade. Finalmente, tinha chegado aquele dia, o dia em que, livre das dependências, o Queiroz ia deixar a associação que o recebeu nos últimos doze meses.

No fim daquele almoço, cada um disse o que lhe ia na alma, em jeito de despedida. Para o Queiroz, mais tarde, se recordar. Alguém relembrou que "boa sorte é coisa que não se diz, porque a sorte de cada um, é feita à nossa medida", ou seja, não devemos esperar que a sorte nos venha bater à porta; antes pelo contrário, devemos procura-la e fazer dela a nossa grande aliada.

Luís Miguel e Maria José, um dia, cruzaram-se com essa inimiga que, hoje, ambos combatem. Depois de terem passado por algumas instituições, decidiram o rumo das suas vidas procurando ajudar quem, como eles, outrora, também precisou de ajuda. A eles se juntou um grupo de pessoas com preocupações sobre o problema da droga e, assim, foi criada a Sol Nascente. Fazem parte da direcção e, estando ligados a uma associação, fá-los sentir bem. Luís Miguel defende que as pessoas que passaram pela experiência da droga e se libertaram, são uma mais valia na equipa técnica e na discussão das políticas da droga a nível das instânicas competentes.

A equipa técnica está constituída de acordo com a lei e, porque cada vez mais existem dependências de outras drogas, a Sol Nascente está atenta a esse fenómeno que, geralmente, também está associado ao álcool e, também aqui, neste centro é possível a sua recuperação.

Tendo por princípio, a abstinência, quem passa aqueles portões, deixa todas as drogas lá fora porque, ali dentro, não pode entrar droga de qualquer espécie. Lá dentro, existe toda uma equipa pronta a receber quem precisa de ajuda e, principalmente, quem quer ser ajudado. Maria Parcília, presidente da direcção diz que a comunidade terapêutica era mista. Hoje apenas existem rapazes a fazer os tratamentos. O principal motivo que levou a direcção a tomar tal atitude, prendia-se com o facto de se evitar romances ali dentro. Hoje, continua a ser mista "e nada nos impede de receber raparigas". Confessa, ainda que "quem sabe, um dia, não voltamos a ter aqui uma associação mista".

Programa terapêutico

O programa terapêutico praticado pela Associação Sol Nascente baseia-se no modelo bio-psico-social. Para além disso, baseiam-se na filosofia Minnesota de narcóticos e alcoólicos anónimos. No que diz respeito às terapias efectuadas, a direcção tem procurado adoptar novas terapias que, associadas às já existentes, contribuem sempre e, cada vez mais, por uma maior eficácia dos resultados. Essencialmente, as terapias que já existem tratam-se de terapias de grupo e/ou individuais, exercícios de prevenção da recaída, exercícios de confrontos e de exploração da raiva, entre muitos outros.

Para além destas, introduziu-se a terapia pela arte, pela bioenergia e os jogos psicodramáticos, bem como, o teatro, através do projecto Roda Viva, como forma de terapia e de reinserção. O desporto continua a ser uma componente terapêutica. Vários são os projectos em desenvolvimento. Aos adictos que buscam na Sol Nascente o seu equilíbrio físico e psicológico, é-lhes assegurada, após o seu processo terapêutico, a reinserção na sociedade, tanto mais que já foi criada por esta associação, uma empresa de inserção com 16 postos de trabalho, destinados a grupos desfavorecidos. Por outro lado, foi já iniciada a "contratação" de mulheres, com mais de 40 anos e, também, adictos em recuperação. Este projecto tem sido muito útil na reinserção de adictos.

Os jovens que terminam o seu processo terapêutico saem da comunidade, ou inseridos na empresa, ou inseridos em outro posto de trabalho. "É nossa grande preocpuação que a reinserção corra da melhor forma e, o projecto da empresa é apoiado pelo centro de emprego de Setúbal". Mantém-se, também, a reinserção através do Programa Vida Emprego. A Câmara de Palmela, com a sua grande sensibilidade para o fenómeno da droga, apoia pontualmente a associação. O projecto da empresa de inserção e um outro projecto apoiado pelo Saúde XXI, merecerão, da parte da direcção, um desenvolvimento numa outra entrevista.

Foram iniciados, ainda, contacos com outras câmaras e juntas de freguesia para se estabelecerem protocolos.

Uma nova terapia que, a curto prazo, a direcção desejaria de colocar em prática é a terapia do grito. Para o efeito, existe já um projecto de remodelação e ampliação das instalações por forma a se poder utilizar esta terapia, já que ela envolve a criação de uma sala, isolada no que diz respeito à acústica e à sonoridade. O principal objectivo desta terapia é fazer com que o utente solte todas as emoções que tem dentro de si. No entanto, foram já realizadas algumas experiências que, nas palavras da presidente da Sol Nascente "correram muito bem e foram bem aceites".

Por vezes, sempre que se justifique, Sandra Morgado, uma das psicólogas da Sol Nascente refere que há alterações no quotidiano do grupo. Sempre que um dos membros faz anos ou, sempre que há uma saída, o dia é ligeiramente diferente, por forma a haver uma confraternização entre todos. Contudo, Sandra Morgado, adverte que "nessas alturas, vêm ao de cima muitas emoções".

Para além destas terapias, o recurso a grupos de ajuda mútua, nomeadamente, os alcoólicos anónimos e/ou os narcóticos anónimos, é também uma constante. Maria José, também ela responsável pela Sol Nascente, afirma que "frequentamos, durante três vezes por semana, essas salas de grupo, porque achamos que é uma mais valia para o tratamento dos nossos jovens". Para além disso, "acreditamos que o leque de amizades que se fazem nessas salas, são uma mais valia, tanto mais que quando eles aqui chegam, não têm quaisquer amigos". Maria José afirma-nos isso mesmo: "nas salas, encontramos pessoas que partilham os mesmos problemas, os mesmos medos e idênticos receios", acrescentando que "eles gostam de partilhar essas emoções e os seus sentimentos com outras pessoas, porque isso fá-los sentirem-se bem consigo próprios", uma vez que, "para além de darem, também recebem e, isso, parecendo que não, é muito importante para todos eles". Associado a isso, está o facto de que, "tudo o que é dito ali dentro, não passa cá para fora; é quase como se morresse lá dentro".

A filosofia do programa adoptado pela Sol Nascente é de um ano, mais seis meses de reinserção. Durante o programa são transpostas várias fases, que começa com a adaptação, quer à comunidade, quer às terapias e à equipa técnica, quer aos colegas que lá residem. A par disso, existe um conjunto de regras e de normas que têm de ser seguidas e cumpridas por todos, sem qualquer excepção. Progressivamente, vão-se ultrapassando as fases e vai-se "subindo" de degrau; um de cada vez. À medida que cada fase vai passando, as responsabilidades vão aumentando e, chegados ao último degrau, a reinserção é feita fora da comunidade.

Alguns casos são especiais, porque o utente demonstra capacidade para tal e, aí, é convidado a ficar na associação, a colaborar com os técnicos e a ajudar o próximo.

O Queiroz teve essa sorte e vai ficar perto dos seus colegas. Vai ajuda-los a ultrapassar tudo aquilo por que ele já passou. Mesmo aqueles que, hoje, estão reinseridos na sociedade, não esquecem a associação e, continuamente, voltam para matar saudades ou telefonam a contar novidades. Sandra Morgado, conta isso mesmo. Ela confessa que "temos um utente que, sempre que acontece qualquer coisa de bom na sua vida, me liga logo a contar as novidades". De igual forma, "sempre que estão em baixo, ansiosos ou deprimidos, sabem que podem contar connosco, a qualquer hora, em qualquer dia da semana".

Os medos, receios e fantasmas são uma coisa que os irá acompanhar durante muito tempo. A uns, mais do que outros, mas do que temem é de uma recaída. Sandra Morgado afirma que "eles saem daqui muito afectados, principalmente no que toca à sexualidade e, o medo de falharem emocionalmente ou a nível profissional, ou até mesmo de não serem aceites pela sociedade, por vezes, faz com que recaiam".

Avó Maria

Uma das pessoas mais queridas nesta associação é, sem dúvida, a avó Maria e, sempre que um dos seus "netos", a abandona, as lágrimas insistem em rolar-lhe pela face. Ela sabe que é para o bem deles, mas vê-los sair dali, depois de os ter acompanhado, nas actividades, durante tanto tempo, ainda lhe custa um pouco. Os setenta anos já lá vão e não têm conta as caras que por ali viu passar. Uns ficaram até ao fim, outros desistiram; uns fugiram e nunca mais voltaram, outros acabaram por voltar e cumprir o tratamento até ao fim. Para a nossa reportagem, ela sorriu, de braço dado com o seu mais recente "neto" que vai sair da comunidade. Mesmo sabendo que ele apenas vai passar uma semana a casa com os pais e que vai voltar, para ali trabalhar, do bolso do seu avental ela tira um lenço para enxugar as suas lágrimas.

É nesse sentido que Maria Parcília afirma que, "enquanto houver jovens como o Queiroz a precisarem da nossa ajuda, nós vamos cá estar para os continuar a receber de braços abertos". Por isso mesmo, toda a direcção e toda a equipa técnica da Sol Nascente, quer sempre mais; quer sempre continuar a ajudar quem precisa e quem os procura. Por isso mesmo, os projectos são mais que muitos e, a esse respeito, Luís Miguel e Maria Parcília confessam que "numa outra oportunidade, nós diremos que projectos são esses", acrescentando que "é preciso acreditar que estes jovens possam ser reinseridos na sociedade, livres de qualquer tipo de droga".

A Associação Sol Nascente procura apostar nos afectos, no calor humano, na qualidade e na reinserção, fase por excelência do percurso de um adicto que decida procurar ajuda.

Este artigo, também acerca da toxicodependência, foi publicado no jornal O Primeiro de Janeiro, no passado dia 1 de Fevereiro.
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Câmara Municipal de Bragança
O importante é prevenir

A cidade de Bragança, ao contrário do que acontece com o resto do país, tem vindo a crescer de forma significativa, crescimento esse que se notou mais (20,1 por cento) na última década. Contando com uma população jovem elevada, uma vez que cerca de 40 por cento da população que vive na cidade, se encontra a estudar, muitas das actividades que se desenrolam em Bragança, são feitas a pensar no presente e no futuro da juventude.

Sendo Bragança a maior cidade, a Norte do país, os principais problemas que a afectam, assim como na maioria das cidades e vilas do interior de Portugal, passam pelo envelhecimento da população, pela desertificação do território e pela falta de oportunidades económicas. À frente dos destinos da cidade de Bragança, desde 1997, Jorge Nunes, presidente da Câmara Municipal, refere-nos que "esse é o nosso principal desafio", acrescentando que "embora os problemas que nos aproximam das vilas que nos circundam, sejam idênticos, eles têm outras características, uma vez que, enquanto a nossa cidade continua a crescer, outros municípios estão a estagnar". Para além disso, em toda esta região, cada vez mais, o sector da agricultura está numa situação de depressão, com a consequente perda de rendimentos. Como consequência directa, hoje, muitos produtos que provêm da terra, ainda têm o mesmo valor comercial, se se comparar com o passado. Porém, os factores de custos da produção, aumentaram. Para o presidente desta autarquia, "significa que estamos num processo de empobrecimento", o que não é favorável para a região, mesmo sendo este um território e um espaço de oportunidade, com significativas potencialidades em diversas áreas. Um dos motivos que bloqueiam o processo de desenvolvimento, tem a ver com "os estrangulamentos importantes efectuados, associados à ausência de investimentos públicos e de políticas capazes de gerar e criar coesão no território e à falta de adequadas acessibilidades", segundo nos confessa Jorge Nunes.

De acordo com um inquérito levado a cabo, em 2001, pelo já extinto Instituto Português da Droga e da Toxicodependência, o concelho de Bragança apresenta índices de consumo de álcool, tabaco e drogas, superiores à média nacional. A esse respeito, Jorge Nunes, considera que "esse estudo demonstra que estamos na presença de dois países, dentro de um só país", isto é, "enquanto que, no litoral, esses consumos estão a estabilizar ou, até mesmo, a decrescer, no interior, verifica-se precisamente o contrário, ou seja, esse consumo mantém-se em progressão, uma vez que a falta de oportunidades que é dada aos jovens, é por demais evidente". Com efeito, o insucesso escolar e o consequente abandono do ensino, associado à inexistência de alternativas que não seja o trabalho no campo ou na construção civil, para não falar nos valores da família que estão a deixar de ser tidos em conta, levam a que, cada vez em maior número, os jovens enveredem por "caminhos difíceis, embora, numa primeira fase, se apresentem como caminhos fáceis". Daí que, para o presidente da Câmara Municipal, "as coisas estão interligadas e, não podemos dissociar esta tendência do aumento do consumo de álcool e de droga, da falta de oportunidade para os jovens".

A autarquia, sendo uma das maiores entidades empregadoras da região, por forma a contrariar estes números, "pode desenvolver algumas acções ou actividades, tendentes a minimizar essas mesmas situações". No entanto, como nos esclarece, "deverão ser os próprios cidadãos em geral e, a família em particular, a agir por forma a dar a volta a essa situação". Por outro lado, ao nível do poder central, "o Governo tem que fazer correcções ao nível das políticas globais que tem no país, terminando com as assimetrias que existem entre o interior e o litoral, concedendo a oportunidade que aos jovens do interior tem vindo a ser retirada desde os finais da década de 40".

Daí que seja importante o apoio dado à estruturação das próprias instituições, ao nível físico, técnico e da estabilidade de funcionamento. Por tudo isso, Jorge Nunes afirma-nos que "para nós, é mais importante termos as instituições como parceiras e ajudá-las a trabalhar tendo em conta as boas práticas destas, do que sermos nós a criar outras equipas e colocar-mo-nos em sobreposição". Trabalhando dessa forma, o presidente da autarquia garante que "conseguimos obter melhores resultados, tanto mais que os técnicos que trabalham nessas instituições, estão mais vocacionados para trabalhar no terreno do que nós".

Plano Municipal de Prevenção Primária

Defendendo que "o concelho está bem estruturado", Jorge Nunes salienta o facto de, o concelho de Bragança ter uma capacidade de resposta que outros concelhos limítrofes não têm. Para além disso, garante-nos, "torna a gestão da autarquia mais fácil", pois todo o trabalho de investigação e de actuação in loco, é feito pelas próprias instituições, depois de detectados e analisados esses mesmos problemas. Outro tipo de ajudas da autarquia, passa pelo reforço do desenvolvimento das instituições, quer pela cedência de terrenos, ou pela ajuda à construção de infraestruturas, como também na ajuda ao funcionamento dessas mesmas instituições. Daí que, a autarquia tenha entregue a uma dessas instituições, a gestão do Plano Municipal de Prevenção Primária, salvaguardando algum apoio técnico e financeiro. Dessa forma, Jorge Nunes garante que "as nossas instituições levam a cabo um trabalho de prevenção no terreno, com mais agilidade, mais conhecimento e mais disponibilidade do que o que seria feito pelos funcionários municipais".

Uma das carências do concelho de Bragança, passa pela inexistência de uma comunidade terapêutica, dado que a sua área de influência é muito grande, tanto mais que extravasa limites concelhios e até distritais. Com efeito, neste momento, para além das instituições de solidariedade existentes no concelho de Bragança, apenas existe um Centro de Apoio a Toxicodependentes. Por conseguinte, "a instalação de uma unidade terapêutica na cidade de Bragança é um dos nossos desejos, até porque, da mesma forma que pacientes portugueses se vão tratar a Espanha, também aqui, poderíamos tratar pacientes espanhóis", dada a extensa fronteira e a proximidade de importantes núcleos habitacionais, para além de dar apoio a toda a área de Trás-os-Montes e Alto Douro. Por outro lado, Jorge Nunes também pretende, com este projecto, "evitar que os jovens toxicodependentes andem a deambular pela cidade, até porque, chega sempre a altura em que o CAT de Bragança e outras instituições não conseguem resolver esses problemas, quando eles estão numa fase muito adiantada". Também as famílias têm um importante papel a desempenhar, até porque, cansadas dos problemas do jovem toxicodependente, acabam por rejeitá-lo e abandoná-lo à sua sorte.

Um outro problema, prende-se com a própria geografia, uma vez que Bragança está a escassos quilómetros com a fronteira espanhola. A dificultar este problema, está o facto de que, por via terrestre e, uma vez que as fronteiras estão abertas, entram no nosso país, não só a droga, mas também redes organizadas que passam a actuar no Norte do país. O combate, segundo o presidente desta autarquia, "deveria ser feito em duas frentes", sendo que a prevenção tem um importantíssimo papel. Nesse sentido, "a prevenção tem que ser desenvolvida junto das escolas, dos bares e das discotecas, ou seja, nos espaços que são frequentados pelos jovens, até porque são eles que estão em risco". Para além disso, "terá que haver abertura suficiente por parte das próprias pessoas que estão encarregues dessa mesma prevenção", conclui.

Lua Nova

No âmbito da prevenção primária e, numa segunda fase de um projecto direccionado para as escolas, o programa Lua Nova vai de encontro, não só às escolas do concelho de Bragança e seus alunos, como também aos professores, no sentido de os preparar e celebrar acções conjuntas, no espaço frequentados por esses mesmos alunos e/ou outros jovens. Paralelamente a isso, são desenvolvidas outras acções junto das famílias, dando-lhes a conhecer os reais problemas que os possam afectar e/ou atingir. Este programa, em parceria com outras instituições, partiu da Câmara Municipal que, para além das instituições de solidariedade nacional, agrega as escolas deste concelho. A sua linha de orientação, fundamentalmente, como nos garante o presidente da autarquia, "é a prevenção do consumo de drogas nas escolas e nos espaços recreativos".

O combate ao tráfico é outra das vertentes que Jorge Nunes diz ser "inquestionável". Nesse sentido, é apologista de "uma estratégia política de articulação de todos os meios, junto das polícias e dos tribunais, por forma a se desenvolver um extensivo trabalho que combata este problema".

Por tudo isto, são muitos os projectos da autarquia neste sentido. No entanto, como nos esclarece Jorge Nunes, "temos que retirar conclusões do trabalho que temos vindo a desenvolver e, só depois, podemos questionar a sua continuidade". Para além disso, "iremos continuar a fazer o melhor possível, sempre com a intenção de preservar e proteger os nossos jovens", mesmo com os escassos recursos de que a autarquia dispõe.

Este artigo, acerca da toxicodependência, (um dos melhores que fiz até hoje), foi publicado em vários jornais. Saiu no jornal O Primeiro de Janeiro, no jornal 4 Esquinas e no site Eu Sou Jornalista.
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...No sítio da paz...

"Honestidade, entre-ajuda, respeito, amizade, limites e, acima de tudo, frontalidade". A nossa conversa começou assim. Naquele lugar tão especial para eles, as confissões, os testemunhos a história das suas vidas vão-se desenrolando. Afinal de contas, nós estávamos no seu território.

Chamemos-lhe António. António tem 22 anos e já não sabe que idade tinha quando foi a sua primeira vez. A minha primeira pergunta era simples: por que motivo entraste na droga? E eu que pensava que a resposta era simples. Fiquei, depois de os ouvir a todos, com a sensação de que a resposta a essa pergunta e a tantas outras era muito, mas mesmo, muito difícil.
O local decidido para falarmos foi baptizado por eles, por Sítio da Paz; é um local que existe na sua comunidade e que serve de retiro para aqueles momentos em que querem estar sozinhos e confrontar a vida. Pensar, meditar, olhar para o seu interior e, talvez, chegar à conclusão de que vale a pena viver. E viver sem drogas é muito melhor. Como é que um jovem, no começo da sua vida se envolve na mais profunda das misérias? Que amante é esta, gulosa, arrebatadora, assassina? Entre recaídas e ressacas, o percurso de António estava escrito nos seus olhos, tristes e, lá bem no fundo do seu olhar, estava a dúvida de que alguma coisa poderia ser feita.
António confessa-nos que, de vez em quando, fumava haxixe com os amigos, apenas por brincadeira. A heroína chegou mais tarde, na comemoração do aniversário de um amigo. Voltou a consumir uma segunda, uma terceira, uma quarta vez. Quando caiu em si, estava viciado. Os dias no trabalho, corriam penosamente. Chegava atrasado, descuidava-se com o seu aspecto, adormecia à secretária. Os seus colegas repararam que algo de estranho se passava, mas ninguém imaginava qual era o verdadeiro problema. Todo o seu dinheiro ia para a droga. Fez várias tentativas para se "limpar", mas nada resultou. Decidiu afastar-se da cidade de Lisboa, acreditando que, com isso, conseguia libertar-se do produto que o escravizara. No entanto, sem família, sem amigos, sem dinheiro, sem ninguém a quem recorrer, António voltou à capital e passava os seus dias, deambulando, a arrumar carros. Ali, bem perto dos bairros onde se abastecia para alimentar o seu vício.

São tantas histórias, idênticas entre si e que têm todas o desfecho sombrio do confronto entre a vida e a morte. A escolha do que se quer fazer, dali em diante, é apenas dele e de mais ninguém. António acredita que, um dia, poderá regressar a casa. Talvez encontre à sua espera, a sua mulher e a sua filha, ainda bebé, que já não vê, nem ele sabe há quanto tempo. Talvez elas o perdoem pelo facto de ele ter transformado as suas vidas no horror por que passaram, nos bens que lhes roubou para alimentar a sua "amante".
Pergunto-lhe qual o seu maior receio. Sem pestanejar, António diz que quando sair, tem medo; um grande medo de que a sociedade não o aceite. A rejeição é, para todos estes jovens, a maior angústia, o maior pesadelo. É com este confronto que têm que passar a viver, quando transpuserem a sua vida para a nova realidade que os espera. Apesar de aparentar um aspecto saudável e, longe dali, ninguém dizer que este jovem tem, ou teve, um problema com as drogas, António sabe, lá bem no seu íntimo, que não precisa dizer a ninguém qual é o seu problema. Em jeito de explicação confessa apenas que "está escrito nos meus olhos". E não adianta contrariá-lo, confrontá-lo. Ele nunca aceitará os meus argumentos.

À sombra dos pinheiros, no Sítio da Paz, por entre o chilrear dos pássaros que poisam aqui e ali, a nossa conversa continua. Aprender a lidar com o que sentimos. É este o primeiro passo que tem que ser dado para enfrentar a sociedade, cansada do dia a dia, do stress dos seus trabalhos, da sua rotina quotidiana. A par da rejeição, os complexos de inferioridade e a dificuldade em sentir tudo aquilo que está para além da droga, fá-los encarar a vida de outra forma, de outro ângulo. Apesar disso, teima em dizer que "é impossível deixar de gostar da droga". Pergunto-lhe porquê. Se o facto de ter passado por todo este sofrimento, toda esta dor, não lhe provoca o sentimento de negação, de dizer não.

O sentimento, outra vez.

A resposta só podia ser aquela que eu não esperava. Confessa que "a primeira sensação que a droga nos causa é única, leva-nos para outra dimensão, para aquela realidade onde queremos estar". A dor, o sofrimento, o calvário, a aflição e a desgraça só vêm depois. Mas isso não interessa. O que interessa, segundo ele, "é a pica, a pedra que a droga nos causa naquele momento". Aquela sensação de "não estarmos em nós e de sermos únicos na galáxia" ultrapassa tudo aquilo por que passaram.
A desconfiança também os atraiçoa. Não "sabemos lidar com a desconfiança das pessoas porque elas olham-nos sempre como se fossemos para todo o sempre, meros toxicodependentes que, um dia, lhes arruinou a vida". E não querem passar por tudo, uma outra vez. A ansiedade acaba por chegar, mais cedo ou mais tarde. Se a família ou ouve, os entende e os apoia, se calhar, a recaída é adiada por mais umas horas, uns dias, umas semanas. Se os amigos os ajudam, os problemas até que são minimizados. Se há alguém no seu mundo capaz de os confrontar, capaz de os entender, capaz de os ouvir e de, com frontalidade, os acarinhar, talvez a recaída não aconteça.

Se... Se.
Tudo não passa de meras ilusões e, o fim do poço, o tecto a cair-lhes em cima começa a ir, cada vez mais depressa, ao seu encontro. A ansiedade da experiência, da primeira vez, sobrepõe-se a tudo o mais.
António tem, agora que está prestes a terminar o seu tratamento, a esperança de que o amanhã será diferente. O amanhã será sempre diferente. Resta saber se será melhor do que o hoje, do que o ontem.

E foi, tendo por pano de fundo o verde da paisagem e o canto dos pequenos pássaros que demos por terminada a nossa conversa. Os ponteiros do relógio tinham dado duas voltas mas eu pensava que apenas meia hora tinha decorrido, desde que nos sentámos e começámos a conversar. Se me perguntarem o que me marcou mais nesta conversa, não o sei explicar. Sei apenas que, dentro de mim, acredito que este e tantos jovens como ele, um dia sairão dali, capazes de refazer as suas vidas.
Despedi-me deles com um sentimento de alegria e desejei-lhes a maior sorte do mundo. E sei que, daqui a alguns anos me irei cruzar com eles, numa qualquer rua, numa qualquer avenida deste Portugal e, aí, saberei que tudo valeu a pena.
Vale sempre a pena viver a vida. Ao ouvi-los, apercebi-me disso muito bem.

O texto que se segue, foi publicado no passado dia 1 de Fevereiro, também no jornal O Primeiro de Janeiro, acerca de um trabalho especial sobre a toxicodependência.
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Dois homens, o mesmo destino, a mesma amante e puderam, ambos...
Renascer de novo

São dois homens do Norte. L.S. tem 40 anos; E.Q., 28. Tiveram a mesma amante e outras mais, passaram os dois pelo mesmo sofrimento. Um ano depois, seguem caminhos diferentes. A uni-los ficou uma grande amizade, conquistada entre altos e baixos.

Finalmente, juntos podem, agora, olhar para trás, para a vida que, durante anos a fio, tiveram em comum. São ambos de cidades e vilas pequenas do Norte Interior deste nosso país e, contudo, foram-se encontrar, perto da capital. Juntos, ajudaram-se mutuamente. Quando um sofria, o outro também sofria; quando um precisava de apoio, o outro estava lá para lho dar. A amizade nasceu sozinha e, hoje, podem encarar o que o futuro lhes reserva. Para trás deixaram as suas amantes, as suas inimigas.

Comecemos com L.S. Neste momento, está na faculdade, em Lisboa; o curso não é o que queria, mas com sorte, vai pedir transferência e mudar para Sociologia. A mulher e o filho, um rapaz com 11 anos, estão lá no Norte. Pelo meio do desabafo diz-nos que "já não me importo com eles; eu sei que ele é meu filho e que eu gosto muito dele mas, agora, tenho que pensar em mim". Foi o facto de pensar mais nele que o levou a iniciar o seu tratamento e livrar-se da branca, como nos confessa. Foi um amigo, professor de educação física, "que me convenceu a irmos uns fins-de-semana a Vigo, aquilo era uma maravilha". Ao fim de pouco tempo, "estava agarrado à cocaína, essa amante maldita que tudo nos tira e nada nos dá". Depois de ter assaltado dois ou três bancos, foi preso e passou pela vergonha de ser apontado na rua; as humilhações seguiram-se umas atrás das outras, uma vez que "eu morava numa vila pequena, onde toda a gente conhece toda a gente". Agora que renasceu de novo, L.S. está apavorado. "É um medo que me invade a alma e que quer tomar conta de mim". As saídas à noite foram suspensas e, o seu dia-a-dia resume-se ao percurso "de casa para a faculdade e da faculdade para casa", com uma ida esporádica ao supermercado para fazer umas compras. Porquê? Porque a senhora maldita anda aí, à espreita, e nós não podemos olhar para ela.

E.Q., aos 28 anos, não se separa de uma fotografia sua, que um dia, alguém lhe tirou. Era "um farrapo, um desgraçado que andava a deambular por aí". Agora, sempre que está em baixo, olha para o seu eu; o eu que foi um dia e que jamais quer voltar a ser. Ao sair daquela instituição que tão bem o recebeu, que tão bem o acolheu, vai ansioso rumar a Norte, na esperança de ver o filho que, "se calhar, chama pai a outro homem, que eu não conheço". Na bagagem, apenas leva a coragem; uma coragem que não teve, um dia, quando quis imitar os seus amigos mais ousados, aqueles mais «fixes». Com o corpo tatuado de velhas recordações, "que são aquilo que eu fui um dia e que, sobretudo, não posso apagar", E.Q. apenas deseja não ter que se reencontrar com a amante que quase o matou. Essa amante que o levou por países que nunca pensava vir a conhecer: esteve na Alemanha, passou por França e por Espanha e "acabei nem sei onde". A coragem, que não teve para renunciar às drogas, teve-a um dia, já quase no fim da vida. O desespero falou mais alto e, entre a espada e a parede, quando não tinha mais alternativas, optou pelo tratamento. Ao fim de um ano, muitas amizades se fizeram. Como nos confessa, "hoje conto coisas aos meus companheiros que jamais contarei à minha família". A viagem até ao Norte do país vai ser só por uma semana. "Apenas quero ver o meu filho e volto para Lisboa, para o emprego que arranjei".

E projectos para o futuro? Pergunta irónica, esta. Há sonhos, claro. Todos nós temos os nossos. Mas, quem encontrou a morte tantas vezes e, tantas vezes a conseguiu evitar, apenas sonha com o presente. A filosofa que lhes dá ânimo e força para viver, não pode ser mais simples do que esta: só por hoje. Afinal, só por hoje, "não vou usar drogas". O amanhã... quem sabe o que o amanhã nos reserva. O amanhã não interessa; aliás, nunca interessou. O que interessa verdadeiramente é que, "hoje, eu não vou usar". Foi esta a única expressão que L.S. e E.Q., amigos verdadeiros, fizeram questão de salientar.

20 fevereiro 2003

Este texto foi já publicado no passado mês de Dezembro no Portal Olá Porto. O texto também pode ser lido na íntegra aqui. Para comentar, basta clicar aqui.

Prostituição na Invicta

Ao cair da noite, as meninas lá vão aparecendo, uma a uma. Na rua da Trindade, bem no coração da cidade do Porto, aquela que é conhecida como a profissão mais velha do mundo, vai criando raízes. O negócio é tal que os proxenetas, vulgo chulos, são em maior quantidade que as prostitutas.

Aproximam-se com a desculpa de cravarem um cigarro. Depois soltam a pergunta da praxe: "não se quer divertir um bocadinho?". Acertam-se preços e daí até se estar na pensão - digamos antes, antro - não vai muito. Ali pagam-se 5 Euros à recepcionista, com direito a uma simples toalha, já que o preservativo está incluído no preço, oferta da casa. No quarto andar, num dos três quartos, encontra-se uma cama (de casal, claro), um lavatório (para a habitual lavagem) e uma cadeira para colocar a roupa. Os vinte minutos que se seguem são exclusivamente tempo de prazer, em troca da módica quantia de 25 Euros. Apenas vinte minutos e nem mais um segundo, caso contrário, "a dona do hotel chateia-se". Chateia-se e cobra mais 5 Euros, para compensar o prejuízo.

Paula foi a única prostituta que acedeu falar à nossa reportagem. Afirma que "não preciso disto para nada, mas o vício é tão grande que já não consigo sair". Como se isso não bastasse, "o Zé, o meu chulo, diz que lhe dou muito lucro e, se hoje não venho trabalhar, amanhã temos bronca".

Há quem considere que estas meninas são fáceis de enganar e que, acima de tudo, são burras. "Enganam-se", diz Paula. "Nós não somos nada disso; podemo-nos fazer de burras mas, no fim da brincadeira, eles caem em si e vêem a burrice que fizeram". E, "se nos tentam enganar, podemos ceder, mas sempre com o pé atrás", não morresse o seguro de velho, ou não fosse esta a mais velha profissão à face da terra.

Enquanto se regateiam os preços e todos os preliminares, deve-se ter em consideração que "há por aí algumas gajas que só levam 10 Euros mas, na pensão, ficam com a carteira completamente vazia; nem os trocos escapam". Quem foi? Ninguém sabe, nem ninguém viu nada. O silêncio é a alma deste negócio. Deste e de muitos outros.

O papel do chulo

Num tom mordaz, alguém nos pergunta se queremos uma menina para nos fazer companhia durante um bocadinho. Ao respondermos que nos encontramos ali em trabalho, nova questão é lançada: "que tipo de trabalho se pode fazer na Trindade, às 4 da manhã?" A resposta é esclarecedora. Num abrir e fechar de olhos, aquele 'protector' dá meia volta e desaparece no escuro. É sol de pouca dura, pois dentro de meia hora, regressa e aceita fazer alguns comentários à nossa reportagem.

Ana, a sua protegida, é alfacinha e tem 24 anos. Segundo nos conta, "fugiu de casa dos pais e, como não tinha emprego, nem para onde ir, eu encarreguei-me disso". Em troca da protecção, Manel fica sempre "com metade do que ganha e, às vezes, com mais um pouco". Contudo, essa protecção que lhe é prometida nem sempre é bem esclarecida por ambos. Elas chegam a trabalhar cerca de 6 a 7 horas por noite, durante os sete dias da semana. Em cada noite, o rendimento pode ascender aos 200 Euros. Desse total, cerca de 130 Euros são para o chulo, com a promessa de melhores condições e mais protecção.

Será que é protecção aquilo que os chulos dão às suas 'meninas'? Os maus tratos, os abusos, e o aproveitamento, estão sempre patentes no seu corpo, como forma de as controlarem, pois é muito aborrecido para o chulo, uma prostituta desaparecer, ou fugir em busca de uma nova vida. Na sua mentalidade, a prostituta mais não é do que um objecto, usado para render. Caso contrário, não serve para nada. Cada vez que elas recusam alguma coisa, umas bofetadas ou uns murros resolvem a questão. E depois, há aquelas que estão agarradas à droga. Paula afirmou-nos que "essas já estão no fim da vida e não estão em si quando vão pr'á casa com um cliente; só pensam na merda da droga que o chulo lhes vai dar, daqui a pouco".
O chulo identifica-se como sendo o 'pai' da prostituta, não sendo certamente por uma questão de afecto. De salientar, ainda, que elas, por mais que queiram sair dessa vida, por vezes, não lhes é possível, dado que o seu papel no meio social actual, é muito abaixo de medíocre. Por isso mesmo, Paula diz-nos que "apenas tentamos sobreviver e não prejudicamos ninguém", acrescentando que "apenas aliviamos aqueles que nos procuram".

Outras paragens
Por mais que se queiram evitar as ruas freqentadas pelas prostitutas, no Porto, torna-se sempre um pouco difícil. Não é só a Trindade que tem má fama. Por 15 Euros, encontram-se 'meninas' na rua Fernão de Magalhães, junto ao Campo 24 de Agosto, ou no Largo do Padrão. E isso acontece, em plena luz do dia, com os transeuntes a passar, de um lado para o outro. Em comum, todas elas estão dispostas a satisfazer o mais íntimo dos prazeres a qualquer homem. Para além de se encontrarem meninas, também aqui há senhoras na casa dos 30 ou dos 40. Apesar de serem em menor número, garantem-nos que "conseguimos tomar conta do recado".

Já na rua Gonçalo Cristóvão e na rua Santa Catarina, o ambiente é diferente. É necessário ter-se olhos bem abertos. Aqui não se encontram meninas, nem senhoras. Aqui há jovens, adolescentes, ou na casa dos 30, vestidos de mulher: os travestis. Segundo um deles, "já confundimos muitos homens que só descobrem que somos homens quando já estamos a arfar ali na pensão". Outros há, "que são casados, têm filhos e só nos querem a nós". Lady Gi, nome artístico, como faz questão de referir, "nós temos uma coisa que as mulheres deles não têm". Esta forma de prostituição é mais procurada por homens de família, casados e de uma classe social mais estável.

Mas há sempre outras paragens mais recatadas e mais escondidas. O Marquês de Pombal e a rua da Alegria são disso exemplo. Na primeira encontram-se numerosas ruelas sombrias para satisfazer os pedidos dos mais íntimos. Também é vulgar ver-se no Marquês, diariamente, por volta das 19 horas, uma carrinha que vem carregar as 'meninas' para mais uma noite de trabalho, "lá para os lados da Via Norte". Na rua da Alegria, a afluência de prostitutas é cada vez maior. Aparecem por volta das 3 da tarde e ali ficam pela noite dentro.

Os putos

Os maiores concorrentes das prostitutas são, sem sombra de dúvida, os prostitutos. A maior parte deles tem entre 11 e 18 anos e são os mais procurados pelos homens da média e alta classe social. Segundo alguns deles comentaram à nossa reportagem, "prostituímo-nos, não para nos sustentarmos, mas para passar o tempo", acrescentando que "isto é mais um part-time de que gostamos". É obvio que alguns deles se prostituem porque são forçados a tal situação. Mais de metade, fá-lo voluntariamente, outros por necessidade e, outros, para consumo de droga. Ganham mais dinheiro do que elas porque "as pessoas que nos procuram são empresários, políticos conhecidos da nossa praça, que nos levam para apartamentos ou hotéis de luxo, evitando assim serem conhecidos". A maior parte dos prostitutos, contudo, não aceita que os clientes façam sexo com eles; preferem as carícias e o sexo oral à penetração. Pelo menos, foi o que nos confessaram.

Contudo, não são só os homens que os procuram; também são contactados por senhoras, a maior parte delas, casadas. E fazem-no por vários motivos: não só para se satisfazerem sexualmente, como também para procurarem novos incentivos sexuais, com a intenção de agradarem aos seus maridos. Na lista de clientes, encontram-se também as meninas solteiras que, gostando de experimentar coisas novas, se entregam, tanto a eles, como a elas. Para não mencionar as centenas de anúncios que proliferam em qualquer jornal diário ou na Internet, bem como a 'invasão de meninas' que vêm de países da Europa de Leste e aqui assentam arraiais.

A tentar pôr cobro a esta e a tantas outras situações idênticas, está a polícia, que não consegue grandes resultados, devido ao elevado número de 'profissionais' no ramo e, principalmente, porque a procura, por vezes, excede a oferta.

A partir de hoje, todos vocês vão poder ver, em primeira mão, aquilo que eu escrevo e, onde eu escrevo.
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